segunda-feira, abril 28, 2014
Quero que sejas
A última palavra
Da minha boca.
A mortalha de sol
Que me cubra e resuma.
Mas como à despedida só há bruma
No entendimento,
E o próprio alento
Atraiçoa a vontade,
Grito agora o teu nome aos quatro ventos.
Juro-te, enquanto posso, lealdade
Por toda a vida e em todos os momentos.
Miguel Torga - Esperança
sexta-feira, abril 25, 2014
quinta-feira, abril 17, 2014
terça-feira, abril 15, 2014
Há coisas na vida mais belas que a vida
coisas terríveis tão belas ocultas
que coisas não são
sabemos acaso os nomes o gesto
da incerta presença
sorriso mais vago
perfume sonhado
sombras solenes
luzeiros tremendo
ah não
sentir não sentimos
pensar não pensamos
nem mesmo que é nada
se é belo ou não belo
se parte se fica
se é excesso ou se é resto
há coisa terríveis
estranhas não são
alheias dispersas
talvez também não
mais belas que a vida
que a vida perdida
ansiosa ou maldita
diremos acaso que nomes que gesto
mas quais e porquê?...
Ah não.
Jorge de Sena - Balada das Coisas e Não
sexta-feira, abril 11, 2014
quarta-feira, abril 09, 2014
Chagas ou Capuchinhas
Vive, dizes, no presente;
Vive só no presente.
Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.
O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.
Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.
Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.
Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas.
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê,
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.
Fernando Pessoa/Alberto Caeiro
sexta-feira, abril 04, 2014
Nesta cidade, onde agora me sinto
mais estrangeiro do que um gato persa;
nesta Lisboa, onde mansos e lisos
os dias passam a ver gaivotas,
e a cor dos jacarandás floridos
se mistura à do Tejo, em flor também,
só o Cesário vem ao meu encontro,
me faz companhia, quando de rua
em rua procuro um rumor distante
de passos ou aves, nem eu já sei bem.
Só ele ajusta a luz feliz dos seus
versos aos olhos ardidos que são
os meus agora; só ele traz a sombra
de um verão muito antigo, com corvetas
lentas ainda no rio, e a música,
sumo do sol a escorrer da boca,
ó minha infância, meu jardim fechado,
ó meu poeta, talvez fosse contigo
que aprendi a pesar sílaba a sílaba
cada palavra, essas que tu levaste
quase sempre, como poucos mais,
à suprema perfeição da língua.
Eugénio de Andrade - Em Lisboa com Cesário Verde
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