Lagoa de Óbidos
O poema é
A liberdade
Um poema não se programa
Porém a disciplina
-Sílaba por sílaba-
O acompanha
Sílaba por sílaba
O poema emerge
-Como se os deuses o dessem
O fazemos
Sophia de Mello Breyner Andresen - Liberdade
Monserrate-Sintra
Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca
Mário Cesariny - Poema
Prefiro rosas, meu amor, à pátria,
E antes magnólias amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre.
Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva.
Fernando Pessoa - Ricardo dos Reis
Palácio de Monserrate - Sintra
Este Palácio de estilo romântico foi mandado construir por sir Francis Cook, visconde de Monserrate, em 1858.
James Knowles foi o arquitecto.
Foi considerado imóvel de Interesse Público em 1978.
O jardim que envolve o palácio é uma descoberta permanente devida à enorme variedade e beleza botânica com espécies de todo o mundo.
Lord Byron visitou o palácio em 1809. Escreveu o poema "Childe Harold's Pilgrimage" onde canta a sua beleza.
A dor não me pertence.
Vive fora de mim, na natureza,
livre como a electricidade.
Carrega os céus de sombra,
entra nas plantas,
desfaz as flores...
Corre nas veias do ar,
atrai nos abismos,
curva os pinheiros...
E em certos momentos de penumbra
iguala-me à paisagem,
surge nos meus olhos
presa a um pássaro a morrer
no céu indiferente.
Mas não choro. Não vale a pena!
A dor não é humana.
José Gomes Ferreira - Não choro
(Foz do Arelho)
Libertei o quarto onde durmo, onde sonho
Libertei o campo e a cidade onde passo,
Onde sonho acordado, onde o sol se levanta,
Onde, nos meus olhos ausentes, a luz se acumula.
Mundo de pequena felicidade, sem superfície e sem fundo,
De encantos esquecidos logo que descobertos,
O nascimento e a morte misturaram o seu contágio
Nas dobras da terra e do céu misturadas.
Não separei nada mas reforcei o coração.
De amar, tudo criei: real, imaginário.
Dei a sua razão a sua forma e o seu calor
E o seu papel imortal àquela que me ilumina.
Paul Éluard - Em virtude do Amor
trad. Egito Gonçalves.
A lei das coisas é tombar
Interrogando-se:
Só o pássaro vive para o voo.
Quando pousa é igual ao homem que se senta
Para pensar.
O homem pensa que nada é mais profundo
Que depois de Deus os filhos eos sismos.
Daniel Faria (1971 -1999) - Explicação da Gravidade
Na apresentação do livro - Poesia - de Daniel Faria (Edições Quasi) diz que "Viveu 28 anos a respirar como um clarão"
Uma poesia que toca a alma, digo eu.
Como um grande borrão de fogo sujo
O sol posto demora-se nas nuvens que ficam.
Vem um silvo vago de longe na tarde muito calma.
Deve ser de um combóio longínquo.
Neste momento vem-me uma vaga saudade
E um vago desejo plácido
Que aparece e desaparece.
Também às vezes, à flor dos ribeiros,
Formam-se bolhas de água
Que nascem e se desmancham
E não têm sentido nenhum
Salvo serem bolhas de água
Que nascem e se desmancham.
Fernando Pessoa/Alberto Caeiro - Poemas Inconjuntos (307)